O mercado financeiro brasileiro vem passando por uma transformação silenciosa, mas profunda. Cada vez mais, investidores têm deixado de lado estratégias exclusivamente voltadas ao lucro para incluir em suas decisões critérios que consideram impacto social e ambiental. Essa mudança de mentalidade impulsionou a criação e o fortalecimento de fundos com foco em sustentabilidade e responsabilidade socioambiental.
Essa tendência, antes restrita a grandes instituições internacionais e investidores com perfil filantrópico, hoje mobiliza também pequenos e médios aplicadores. Em busca de um futuro mais equilibrado e de retornos financeiros alinhados a causas que consideram relevantes, esse público passou a enxergar o investimento como uma ferramenta de influência positiva.
O crescimento dos fundos sustentáveis no Brasil
Segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), os fundos classificados como sustentáveis ou de impacto ultrapassaram a marca de R$ 1 trilhão sob gestão em 2024. A cifra representa um salto de mais de 40% em relação ao ano anterior, sinalizando o apetite crescente por produtos financeiros com abordagem ESG, sigla que remete a critérios ambientais, sociais e de governança.
A tendência não é apenas numérica. Esses fundos têm atraído uma nova geração de investidores que valoriza causas como preservação ambiental, inclusão social, diversidade e redução de desigualdades. A ideia de que é possível unir lucro e propósito se fortalece em um cenário onde as mudanças climáticas e as crises sociais se tornaram parte do cotidiano.
Muitos desses fundos direcionam recursos para empresas que adotam práticas sustentáveis em sua cadeia produtiva, apoiam projetos de impacto direto em comunidades ou investem em tecnologias verdes. O desempenho, em alguns casos, supera até mesmo o de fundos tradicionais, desmistificando a ideia de que propósito e rentabilidade não caminham juntos.
O que diferencia os fundos de impacto?
Os fundos com abordagem ESG e os fundos de impacto possuem semelhanças, mas há uma diferença importante entre eles. Enquanto os fundos ESG priorizam empresas com boas práticas ambientais, sociais e de governança, os fundos de impacto direcionam investimentos especificamente para iniciativas que buscam gerar transformação mensurável na sociedade ou no meio ambiente.
Isso significa que, ao aplicar recursos em um fundo de impacto, o investidor contribui diretamente para a execução de projetos com objetivos claros, como ampliar o acesso à água potável, reduzir emissões de carbono ou gerar empregos em comunidades vulneráveis. O retorno financeiro continua sendo um objetivo, mas compartilha espaço com métricas de impacto não financeiras.
A avaliação desses fundos costuma incluir relatórios detalhados que mostram, por exemplo, quantas toneladas de resíduos foram evitadas, quantas famílias foram beneficiadas ou quantas árvores foram plantadas. Essa transparência atrai investidores que desejam acompanhar de perto o destino do capital que aplicaram.
O perfil do novo investidor
A demanda por esse tipo de produto tem sido puxada principalmente por pessoas de 25 a 45 anos, com grau de instrução elevado e forte presença nas plataformas digitais de investimento. Para esse público, a decisão sobre onde aplicar vai além do retorno. A pergunta é: esse dinheiro está ajudando a construir o mundo em que quero viver?
Pesquisas recentes indicam que mais de 60% dos investidores brasileiros gostariam de incluir aspectos de impacto social ou ambiental em sua carteira. O dado reforça que o conceito de investimento está sendo reavaliado, não como uma simples operação financeira, mas como um posicionamento diante das urgências globais.
A digitalização também tem papel importante nesse processo. O acesso facilitado às informações, as plataformas de investimentos com filtros ESG e o surgimento de carteiras temáticas ajudam a tornar mais acessível esse universo antes restrito aos especialistas. O resultado é um mercado em expansão, com demanda crescente por produtos mais alinhados aos valores do investidor.
A regulação e os desafios do setor
Com o avanço da pauta ESG, aumentaram também os desafios relacionados à padronização, transparência e fiscalização dos fundos que se declaram sustentáveis ou de impacto. No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou em 2023 uma regulamentação específica para esses produtos, exigindo critérios claros para classificação e relatórios de desempenho não financeiro.
Essa regulação busca combater o chamado “greenwashing”, prática em que produtos são apresentados como sustentáveis sem que haja, de fato, compromisso real com as causas defendidas. A exigência de indicadores mensuráveis e verificáveis é uma tentativa de proteger o investidor e tornar o mercado mais confiável.
Outro desafio é tornar esses produtos mais acessíveis a diferentes perfis de investidores. Embora o número de fundos com aportes mínimos mais baixos tenha crescido, ainda há barreiras para quem deseja começar com valores reduzidos. A expectativa é que, com o amadurecimento do mercado, surjam opções mais democráticas.
Investimento como ferramenta de transformação
Ver o investimento como algo que pode gerar retorno financeiro e, ao mesmo tempo, contribuir para mudanças sociais e ambientais é uma das principais marcas dessa nova era do mercado de capitais. Não se trata de caridade, mas de redirecionar o capital para setores e projetos que têm impacto positivo mensurável.
Essa abordagem coloca o investidor no centro de decisões que ultrapassam o universo das finanças. Cada aplicação passa a carregar um significado. Seja ao financiar empresas que adotam práticas sustentáveis, apoiar soluções para comunidades vulneráveis ou incentivar a transição energética, a escolha do destino do dinheiro deixa de ser neutra.
A ideia de que o investimento deve servir apenas ao crescimento do patrimônio individual perde espaço. Em seu lugar, cresce a compreensão de que investir também é uma forma de atuar politicamente, de expressar valores e de influenciar a economia na direção de um futuro mais equilibrado.