Quando um bebê apresenta sinais persistentes de desconforto, como choro intenso, refluxo, alterações nas fezes ou problemas de pele, é natural que os pais se preocupem e comecem a buscar respostas. Em muitos casos, esses sintomas levantam a suspeita de alergia à proteína do leite de vaca (APLV), uma condição relativamente comum na infância, especialmente nos primeiros anos de vida.
No entanto, chegar ao diagnóstico correto pode ser um desafio, exigindo atenção cuidadosa, acompanhamento médico e, sobretudo, paciência.
Reconheça os sinais que merecem atenção
A APLV pode se manifestar de formas variadas, afetando diferentes sistemas do organismo. Os sintomas mais comuns envolvem o trato gastrointestinal, como diarreia com muco ou sangue, constipação, refluxo frequente, cólicas intensas e dificuldade para ganhar peso. No entanto, também é possível observar manifestações na pele, como dermatite atópica, urticária ou inchaços, e sintomas respiratórios, como chiado no peito e coriza persistente.
Esses sinais não são exclusivos da APLV e podem se confundir com outras condições, como intolerância à lactose, refluxo fisiológico ou até mesmo fases típicas do desenvolvimento do bebê. Por isso, é essencial que a avaliação não se baseie apenas nos sintomas isolados, mas em uma análise clínica detalhada feita por um profissional de saúde.
Entenda os tipos de reações
A dificuldade no diagnóstico muitas vezes está relacionada ao fato de que a APLV pode se apresentar de maneiras diferentes. As reações podem ser mediadas por IgE, não mediadas por IgE ou mistas. As reações mediadas por IgE são mais imediatas, surgindo minutos ou poucas horas após o contato com a proteína do leite. Nesses casos, exames laboratoriais e testes cutâneos tendem a ser úteis, pois identificam os anticorpos envolvidos na resposta alérgica.
Já as reações não mediadas por IgE costumam ser tardias e mais difíceis de identificar, porque não aparecem em exames de rotina. Elas envolvem mecanismos imunológicos mediados por células e podem demorar dias para se manifestar após a exposição ao leite. As manifestações mistas, por sua vez, combinam sintomas imediatos e tardios, o que pode confundir ainda mais o diagnóstico.
Por esse motivo, um resultado negativo em exames laboratoriais não é suficiente para descartar a APLV. A história clínica continua sendo uma das ferramentas mais importantes na condução do diagnóstico.
Siga as orientações médicas com rigor
Diante da suspeita, é comum que o médico sugira um teste de exclusão alimentar. Em bebês que mamam exclusivamente no peito, a orientação pode ser que a mãe siga uma dieta de exclusão, retirando da alimentação todos os produtos que contenham leite de vaca e seus derivados. Em bebês que já iniciaram a alimentação complementar ou fazem uso de fórmulas, as orientações são ajustadas conforme a faixa etária e o histórico do caso.
O período de exclusão varia, mas geralmente dura de duas a quatro semanas. Caso os sintomas melhorem nesse intervalo, o profissional pode indicar o chamado teste de provocação oral, que consiste na reintrodução controlada da proteína do leite para observar se há reaparecimento dos sintomas. Esse teste, feito com acompanhamento médico, é fundamental para confirmar o diagnóstico e evitar restrições desnecessárias.
Durante esse processo, é fundamental contar com acompanhamento nutricional adequado. A retirada do leite e derivados deve ser compensada com fontes alternativas de nutrientes importantes, como cálcio, vitamina D e proteínas, para garantir o crescimento e desenvolvimento saudáveis da criança.
Conheça os próximos passos após a confirmação
Confirmar a APLV é apenas uma das etapas da jornada. Depois do diagnóstico, a família precisa se adaptar a uma nova rotina alimentar, aprender a ler rótulos com atenção e desenvolver estratégias para garantir a segurança do bebê em diferentes ambientes. Isso inclui a introdução alimentar com atenção redobrada, o preparo das refeições em casa e o cuidado com a alimentação fora do lar.
Neste contexto, entender como conviver com a APLV com segurança e confiança é essencial. Com acompanhamento especializado e acesso a informação de qualidade, é possível promover qualidade de vida para toda a família e prevenir novas reações.
Evite autodiagnósticos e restrições desnecessárias
É compreensível que, diante de sintomas desconfortáveis e angústia pelo bem-estar do filho, os pais queiram agir rapidamente. No entanto, iniciar uma dieta de exclusão sem orientação profissional pode atrasar o diagnóstico correto, comprometer o estado nutricional da criança e dificultar a avaliação posterior. Por isso, qualquer mudança na alimentação da mãe ou do bebê deve ser feita apenas com acompanhamento médico e nutricional.
Além disso, outras condições clínicas podem coexistir com a APLV ou simular seus sintomas. Um olhar clínico especializado é capaz de diferenciar essas situações e evitar condutas inadequadas. O ideal é sempre buscar um pediatra ou alergista com experiência no tema.
A suspeita de APLV representa um momento de dúvida e tensão para muitas famílias, mas também pode ser o ponto de partida para mudanças positivas e um cuidado mais atento à saúde da criança. Com orientação correta, apoio profissional e informação segura, é possível passar por essa fase com tranquilidade e garantir um desenvolvimento saudável e protegido.
Referências:
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